Por: Necylia Monteiro
Augusto Boal não acreditava que
seríamos humanos, dizia que éramos pré-humanos, quase iguais a animais, porque
não existe solidariedade, e que só através desta conseguiríamos fazer eclodir,
nascer uma verdadeira humanidade, e que o teatro pode ajudar nessa caminhada, nascido
1931, no bairro da Penha, na cidade do Rio de Janeiro é o criador de uma forma
de teatro entre todas as outras: O teatro do Oprimido!
O teatro do oprimido é teatro na acepção mais arcaica da palavra: todos
os seres humanos são atores, porque agem, e espectadores, porque observam.
Somos todos espect-atores [...] Todo
mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é
algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de
um elevador [...] Em qualquer lugar... Até mesmo dentro dos teatros. (BOAL,
1931.p ix)
Essa forma de teatro é além de
política, uma vez que surge da denuncia a um contexto histórico brasileiro que é
a ditadura, um tanto terapêutico, social, polêmico, democrático e acima de tudo
exemplo de rupturas. Em muito inspirado no teatro político de Brecht,
utiliza-se de uma mesclagem de leituras artísticas, podendo comportar
diferentes estilos de dramaturgia. Boal possibilita através do teatro do
oprimido, que as pessoas se expressem e sejam atuantes (questionar, resolver,
falar) no que diz respeito a seus problemas em sociedade.
Em seu livro, Jogos para atores e não atores, nos é apresentado um verdadeiro
arsenal do teatro do oprimido, em cinco categorias de jogos e exercícios (joguexercícios havendo muito de
exercícios nos jogos e vice-versa) este ultimo no sentido de reflexão física
sobre si mesmo, isto é, designar movimentos físicos, musculares, respiratórios etc.
que ajude a conhecer/reconhecer seu corpo e suas relações. Ao passo que os
jogos, tratam da expressividade dos corpos como emissores e receptores de
mensagens, são diálogos, exigem interlocução (extroversão).
Sua primeira série, exercícios
gerais, é muito utilizada como jogo de aquecimento, possibilita aos
participantes um primeiro contato, percebi que é frequente a utilização do Hipnotismo colombiano, cujo jogo
consiste em ações de ser o opressor e ser oprimido, podendo ser feito em duplas
em que cada participante deve experimentar as duas ações. O jogo é bastante
flexível, com inúmeras variantes, esse jogo expõe um pouco sobre o que o Teatro
do Oprimido pode te proporcionar, a vivência de ora ser opressor e ora ser
oprimido, é um jogo de autoconsciência, em que você experimenta também a
solidariedade.
Romper com esses discursos é
importante! Quantas vezes eu fui oprimido? Já oprimi alguém? São essas questões
que em minha opinião devem ser levantadas, uma vez que se caminha de acordo com
Boal a uma humanidade.
Com a segunda série, As caminhadas,
mergulhei um pouco mais no universo de Boal, logo no início ele fala que de
todas as nossas mecanizações, o andar é o mais frequente, andamos de forma
individual, mas esses andares se aproximam quando nos referimos a mecanização,
ele reflete um pouco também sobre nossa adaptação a determinados lugares, por
exemplo, a maneira como ando no centro histórico de São Luís, não é a mesma de
como ando na Rua Grande, centro comercial de São Luís, e BOAL (1931) fala
ainda: “Mudar nossa maneira de andar nos faz ativar certas estruturas
musculares pouco utilizadas e nos torna mais conscientes do nosso próprio corpo
e de suas potencialidades”
A fim de experimentar essa nova (para
mim) forma de teatro e de estimular novos estudos e possíveis materiais
dramatúrgicos, sugeri a alguns integrantes do Grupo Cara de Arte,
que me ajudassem nos estudos e experimentações dessas caminhadas, de onde
surgiu a intervenção artística Percurso,
feita no dia quatro de fevereiro, na Rua Grande, centro comercial de São
Luís-MA. Essa intervenção prevê um alerta a sociedade de consumo excessivo e
aos andares automatizados do dia-a-dia corriqueiro. Abaixo estão alguns registros, infelizmente não pude editar o vídeo mas em breve ele estará disponível no blog!
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Peformers: Ruan Paz e Necylia Monteiro |
“O povo oprimido se liberta. E outra vez
conquista o teatro. É necessário derrubar muros! Primeiro o espectador volta a
representar, a atuar: [...] Teatro Imagem. Segundo, é necessário eliminar a
propriedade privada dos personagens pelos atores individuais: Sistema Coringa.”
O tempo ficou curto com tanta coisa pra conhecer sobre Boal seu Teatro do
Oprimido, mas havia um fragmento desse teatro que precisava ser entendido, que
para mim é essencial para se entender o todo: o TEATRO IMAGEM!
Perece uma tarefa difícil falar sobre
teatro imagem de maneira sintética, uma vez que se constitui da maneira mais
genial de todas de utilizar da linguagem corporal como meio de expressão. Mas
vamos lá! Experimentamos teatro imagem no dia quinze de janeiro, nos dividimos
em quatro grupos com quatro temas distintos sugeridos por nós que eram:
Violência, Política, Cultura e Sexualidade. Tivemos um momento de discursão
sobre o tema, todos bastante pertinentes ao nosso meio social.
Ao som de palmas, com discursões ainda
fervendo em nossas cabeças, imagens eram refletidas, de repente poderíamos ver
Violência, Política, Cultura e Sexualidade em nosso corpo! E esse foi nosso
aquecimento, feito várias vezes e em ritmos diferentes. Quem dera podermos ter
tempo de sobra pra experimentar todos os temas... Tivemos que escolher um, e o
que mais estava inserido em nós era Cultura!
O objetivo era primeiro construir
corporalmente a imagem real, depois a imagem ideal, nosso material humano para
fazer a escultura era o grupo que discutiu Cultura no inicio da aula, e os
escultores eram o resto da turma. É difícil se chegar a um consenso quando se
pensa de modo individual, queríamos a mesma coisa, que se desse espaço e
respeito às diversidades culturais do nosso estado, mas nunca ninguém estava
satisfeito, e as esculturas viviam mudando, as coisas se complicam quando não
podíamos usar palavras, a vontade era tão gritante que tínhamos que falar!
“Não é permitido falar em nenhuma hipótese. O máximo que pode fazer cada
escultor é mostrar com seu próprio rosto a expressão que deseja ver no rosto do
participante-estátua. Depois de organizado este conjunto de estátuas, deve-se
discutir com os demais participantes, se todos estão de acordo ou se propõem
modificações. Todos têm direito de modificar o primeiro conjunto, no todo ou em
parte. O importante é chegar a um conjunto modelo,
que na opinião geral, seja a concreção escultural do tema dado, isto é: este modelo
é a representação física deste tema!” (BOAL, 1975, p.144).
Não chegamos a nossa imagem ideal,
logo, ao objetivo do jogo, apesar do teatro ser uma arte de grupo, infelizmente
o pensamento individual, não nos deixou chegar a nosso objetivo, ainda temos
muitas caminhadas rumo a humanidade, poderíamos começar pelo respeito a
diversidade artística cultural! A imagem abaixo foi o nosso ponto, as ilustrações foram só pra reforçar nosso objetivo não cumprido, do respeito a nossas diversidades.
Percebemos as enormes discursões
desses abrangentes temas, então dinamizamos um pouco dividindo a turma em dois
grandes grupos, em que se executa a imagem real um para o outro, dinamizamos
ainda mais os quatro grupos iniciais executando ao mesmo tempo: um movimento,
depois um som, outro movimento e outro som, em seguida uma pessoa por vez.
Mexemos um pouco depois com o grupo política, e ai sim o nosso a parti de foi experimentado, não era
mais imagem era cena! Inserimos marcações, havia um roteiro, havia intensões e
até experimentamos o tão falado Coringa! Como mostra o vídeo a seguir.
“Espectador”, que palavra feia! Com o teatro
do oprimido, o espectador passa a ser atuante, sujeito, nas mesmas de condições
que os atores que também devem ser espectadores, estabelecendo assim certa
democracia. Augusto Boal estabelece a poética do oprimido como “essencialmente
uma poética de libertação, em que o espectador se libera, pensa e age por si
mesmo! Teatro é ação!” (BOAL, 1975, p.169).
Boal faleceu no dia dois de maio de
2009, antes disso expandiu o teatro do oprimido para além do Brasil, onde ainda
hoje é praticado, contribuiu em muito para rupturas de uma sociedade oprimida
pelas ditaduras, foi exilado por acreditar numa forma de libertação, foi o
mestre de muitos outros mestres que hoje enriquecem a dramaturgia brasileira,
Boal acreditava que era uma busca, alguém que quer sempre fazer algo que nunca
fez e que todo mundo é muita gente ao mesmo tempo, queria ser lembrado não na
contemplação, mas na prática, no exercício do seu método, a cada jogo, a cada
peça, a cada intervenção, não no retrospecto, mas no futuro, nas ações de cada
pessoa, na libertação de cada oprimido!
REFERÊNCIAS
TEIXEIRA, Ubiratan. Dicionário de teatro.
São Luís: Instituto Geia, 2005.
BOAL, Augusto. Jogos para atores e
não atores. 13ª ed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e
outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A, 1975.