sexta-feira, 15 de março de 2013

Alice no país dos sonhos por Lígia da Cruz

Alice! Aceita e deposita
No templo da memória,
Lá onde a Infância entrança sonhos,
Com mãos gentis a história:
Guirlanda murcha que um romeiro
Colhera ao longe, outrora.

A toca do coelho, no começo, alongava-se como um túnel, mas de repente abria-se como um poço, tão de repente que Alice não teve um segundo sequer para pensar em parar, antes de se ver caindo no que parecia ser um buraco muito fundo. Ou o poço era profundo demais, ou ela caía muito devagar.
                                                                                                                      Lewis Carrol

Durante esse tempo ela encontrou-se com inúmeras historiazinhas, recortes de vida, pedacinhos de memórias, fragmentos de lembranças embrulhados em papéis coloridos que lhes remetiam cenas do passado e do futuro que nem ao menos sabia se eram seus ou dos outros, e quem eram os outros?
Havia uma voz, impertinente que sussurrava em seu ouvido “Sonho que se sonha só...” ela se incomodava virava, estava de ponta cabeça e a voz repetia “sonho que se sonha só...”, acreditava que não fosse possível existir uma criatura tão pequenina que ela não pudesse enxergar, mas pensando sobre isso lembrou-se que nunca tinha ficado tanto tempo em queda livre e que nunca tinha visto coelhos vestidinhos de terno e óculos.
Percebeu que estaria julgando mal aquela vozinha, mas quando decidiu abrir prosa com o ser invisível ou indivisível, não obteve resposta.
Enquanto flutuava no ar encontrou uma janela vermelha com cortinas brancas que lembravam a casa da vovó, o cheiro de bolo saindo do forno. Mas lá dentro, não via nada além de uma Patinha vestida de avental com uma cara muito desagradável, através da Janela Alice lhe perguntou:
- O que você faz aí dentro?
A Pata, muito irritada respondeu:
- Estou irritada oras! Vai me dizer que não sabe o que aconteceu com sonhos de Helena?
- Helena? - Imaginou que fosse outra Pata, ou quem sabe uma Gansa ou Cisne. Para sua surpresa a Pata respondeu:
- É! A Andorinha Helena!
- Andorinha?
-Qual o seu problema garota? Você está bem? Pelo menos sabe quem é você mesma?
Alice pensou que sabia quem era, era Alice oras! Morava na rua das Hortas 77, mesma rua de um senhor distinto de origem italiana chamado Pazzin. Isso era o que ela era? Talvez este fosse seu endereço, afinal quem era Alice? Seus pensamentos foram interrompidos com os lamentos da Pata que contava a história da tal andorinha Helena: 


Pensou então que gostaria de ajudá-la, no entanto, a Pata Claribel disse que precisava descansar para depois correr atrás dos sonhos de Helena. Então Alice desceu da janela vermelha, pensando que poderia encontrar Helena e dizer para que não se chateasse com a amiga, e que sonhos vão e vem, não nos custando nada emprestá-los aos outros de vez em quando.
Como encontraria Helena? Já que era um pássaro devia estar sempre sob as nuvens do céu, concentrou-se para bolar um plano enquanto esperava que sua queda fosse concluída.Pensou em balões coloridos, poderia reunir uma porção deles para encontrar a Andorinha, mas para isso seria necessário muitos, muitos balões, eles deveriam ser realmente fortes e o mais colorido possível para chamar a atenção, uma espécie de sinalizador. Fez um desenho para reunir os materiais:

Com o desenho terminado, encontrou-se com um senhor de pele negra vestido com uma roupa vermelha muito engraçada, ele gostava de fazer rimas e sorria com muita facilidade ao mesmo tempo parecia estar investigando, como um perito, por um momento Alice pensou que ele pudesse ser um policial disfarçado. Como não devia nada para a Lei ficou tranquila, mas logo lembrou-se que dia desses sonhara que estava roubando um brigadeiro da padaria de D. Flor, mas achava que ele não fosse capaz de descobrir isso. Subitamente ele tomou o desenho que ela tinha nas mãos:
-Ei isso é meu!
-O que significa isso?
-É uma lista!O senhor não está vendo?
-Lista? Que espécie de lista?Até parece um sonho!
-Não senhor é uma lista de compras!
-Compras? Porque é que vai as compras? Porque é que não dorme pequena? Lá você pode ter tudo que você quiser...
-Não isso não é verdade, nunca sonho com aquilo que eu preciso.
-Isso é que não é verdade. Você sonha exatamente o que precisa.
-Eu não precisava de um macaco amarelo pulando na minha cama na noite passada e nem de um monstro dentro do meu guarda-roupas...
-Você deve sonhar...e não ter, pesadelos...
-Mas então o que o senhor me sugere?
-Venha comigo, durma e venha comigo.
-Mas eu só preciso de balões.
-Então vou te levar para uma festa de aniversário.
Alice sempre soube por sua mãe que não deveria conversar com estranhos, e muito menos acompanha-los, mas como já havia quebrado a regra com a Pata Claribel, achou que se uma mesma regra fosse quebrada no mesmo dia valeria por uma só vez. Além do mais, adorava festas de aniversário.
-Tudo bem senhor, acho que posso ir com o senhor.
-Claro que pode garotinha, venha...
Com seu cajado apontou-o para parede e assim acendeu uma luz, na sua frente surgiu uma porta.
-Primeiro as crianças.
-Obrigada Senhor!
Achou-o muito educado, estava acostumada a não ouvir gentilezas, porque era uma criança e não tinha estatura suficiente para ser enxergada pelos adultos.
Atravessando a porta, Alice encontrou duas outras figuras que pareciam mãe e filha. Não as classificava como gente, nem como animal, a mais velha estava muito ocupada, enquanto a mais nova chorava sem parar, a outra não percebia, rodeada de balões. Alice ficou se perguntado se aquilo realmente era uma festa, ou se pelo menos deveria ser, ficou sem graça de pedir os balcões da pequena, pois confusa não sabia se aquele era o começo ou o fim da comemoração.
Nenhuma das duas se importava com a presença de Alice. Ela decidiu ir embora antes que sobrasse para ela.
Olhando para os lados descobriu que estava perdida e que não sabia mais para que lado ficava o poço, saiu em algo que parecia uma varanda  e lá fora via um mar vermelho como groselha, já não se surpreendia mais com as novidades, chegou a conclusão de que era muito nova e não conhecia mesmo tantas coisas assim, nunca tinha viajado muito longe, e logo ali que era tão perto de sua casa e ela nem sabia que um poço poderia ser tão fundo com tantos tipos de coisas diferentes. Enquanto contemplava a beleza do mar sorria como quando sua mãe fazia gelatina de framboesa, a cor do mar lembrava a gelatina, mas o cheiro era de peixe.
Por um instante pensou ter visto uma andorinha, mas não, seria muita sorte, ficou tentando calcular a quantidade de grãos de areia. Em meio sua conta, pensou ter visto a andorinha de novo, mas estava cansada, devia ser isso...

Resolveu procurar o senhor do cajado para leva-la para casa, e o encontrou encostado sobre um baú vermelho. O tal baú estava recheado de coisas, tantas que mal se podia fechar a tampa, havia um cadeado destrancado, devia ser um tesouro trazido pelo mar, mas ele não parecia muito interessado em retirar o ouro e as pedras preciosas de lá de dentro, vendo que ele descansava resolveu perguntar: 
- Este baú é do senhor?
- Não. Claro que não!
- É de quem?
- De todos.
- Quem são todos?
- Ora! Todos!
- Todos os piratas?
- Também...
- E tem um tesouro aí dentro?
- Vários.
- E o senhor vai leva-los?
- Eu vou levar Todos para o tesouro.
- Não está certa a frase, o senhor vai levar o Tesouro para todos, todos os piratas não é?
- Você ainda não entende...
 Apareceram então duas outras garotas, uma muito alta e a outra, lembrava-lhe uma heroína, não ficou muito feliz porque queria mesmo era encontrar Helena, e ambas não se pareciam em nada com uma andorinha, na verdade uma delas tinha um cabelo amarelo que até sugeria algo de passarinhesco.

Elas pareciam saber o que queriam ali, vinham buscar algo, ele disse que tinha, montou no seu cajado como se fosse um cavalo e com alegria gritava: “Sonhos, sonhos, quem quer sonhos?” as garotas estavam muito empolgadas, então Alice resolveu pedir um também, que sabe ela pudesse encontrar-se com Helena. Ele distribuiu um sonho para cada uma delas, o de Alice era uma pena, ficou muito feliz, agora estava perto!
Deitou-se na areia e ficou esperando, passaram horas, horas, horas, começava a pensar que já estava ali a dias...olhava o céu e segurava a pena, olhava o céu e procurava penas, olhava o céu e pensava em Helena, olhava o céu e sentia pena de Claribel, olhava o céu e sentia saudade de Helena como se já conhecesse, olhava o céu e sentia vontade de cantar e cantando lembrava de outras pessoas, outras lembranças, outros céus, penas e andorinhas:



"Para o dramaturgo encenador, é preciso destemor e intrepidez ante o colosso da biblioteca ou do canône". 
                                                                                          Josué da Costa

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