Alice! Aceita e
deposita
No templo da
memória,
Lá onde a
Infância entrança sonhos,
Com mãos gentis
a história:
Guirlanda murcha
que um romeiro
Colhera ao
longe, outrora.
A toca do coelho, no começo, alongava-se como um
túnel, mas de repente abria-se como um poço, tão de repente que Alice não teve
um segundo sequer para pensar em parar, antes de se ver caindo no que parecia
ser um buraco muito fundo. Ou o poço era profundo demais, ou ela caía muito
devagar.
Lewis Carrol
Lewis Carrol
Durante esse tempo ela encontrou-se com inúmeras
historiazinhas, recortes de vida, pedacinhos de memórias, fragmentos de
lembranças embrulhados em papéis coloridos que lhes remetiam cenas do passado e
do futuro que nem ao menos sabia se eram seus ou dos outros, e quem eram os
outros?
Havia uma voz, impertinente que sussurrava em seu
ouvido “Sonho que se sonha só...” ela se incomodava virava, estava de ponta
cabeça e a voz repetia “sonho que se sonha só...”, acreditava que não fosse
possível existir uma criatura tão pequenina que ela não pudesse enxergar, mas
pensando sobre isso lembrou-se que nunca tinha ficado tanto tempo em queda
livre e que nunca tinha visto coelhos vestidinhos de terno e óculos.
Percebeu que estaria julgando mal aquela vozinha, mas
quando decidiu abrir prosa com o ser invisível ou indivisível, não obteve
resposta.
Enquanto flutuava no ar encontrou uma janela vermelha com cortinas
brancas que lembravam a casa da vovó, o cheiro de bolo saindo do forno. Mas lá
dentro, não via nada além de uma Patinha vestida de avental com uma cara muito
desagradável, através da Janela Alice lhe perguntou:
- O que você faz aí dentro?
A Pata, muito irritada respondeu:
- Estou irritada oras! Vai me dizer que não sabe o que aconteceu com
sonhos de Helena?
- Helena? - Imaginou que fosse outra Pata, ou quem sabe uma Gansa ou
Cisne. Para sua surpresa a Pata respondeu:
- É! A Andorinha Helena!
- Andorinha?
-Qual o seu problema garota? Você está bem? Pelo menos sabe quem é você
mesma?
Alice pensou que sabia quem era, era Alice oras!
Morava na rua das Hortas 77, mesma rua de um senhor distinto de origem italiana
chamado Pazzin. Isso era o que ela era? Talvez este fosse seu endereço, afinal
quem era Alice? Seus pensamentos foram interrompidos com os lamentos da Pata
que contava a história da tal andorinha Helena:
Pensou então que gostaria de ajudá-la, no entanto, a
Pata Claribel disse que precisava descansar para depois correr atrás dos sonhos
de Helena. Então Alice desceu da janela vermelha, pensando que poderia
encontrar Helena e dizer para que não se chateasse com a amiga, e que sonhos
vão e vem, não nos custando nada emprestá-los aos outros de vez em quando.
Como encontraria Helena? Já que era um pássaro devia
estar sempre sob as nuvens do céu, concentrou-se para bolar um plano enquanto
esperava que sua queda fosse concluída.Pensou em balões coloridos, poderia
reunir uma porção deles para encontrar a Andorinha, mas para isso seria
necessário muitos, muitos balões, eles deveriam ser realmente fortes e o mais
colorido possível para chamar a atenção, uma espécie de sinalizador. Fez um
desenho para reunir os materiais:
Com o desenho terminado, encontrou-se com um senhor
de pele negra vestido com uma roupa vermelha muito engraçada, ele gostava de
fazer rimas e sorria com muita facilidade ao mesmo tempo parecia estar
investigando, como um perito, por um momento Alice pensou que ele pudesse ser
um policial disfarçado. Como não devia nada para a Lei ficou tranquila, mas
logo lembrou-se que dia desses sonhara que estava roubando um brigadeiro da
padaria de D. Flor, mas achava que ele não fosse capaz de descobrir isso.
Subitamente ele tomou o desenho que ela tinha nas mãos:
-Ei isso é meu!
-O que significa isso?
-É uma lista!O senhor não está vendo?
-Lista? Que espécie de lista?Até parece um sonho!
-Não senhor é uma lista de compras!
-Compras? Porque é que vai as compras? Porque é que não dorme pequena?
Lá você pode ter tudo que você quiser...
-Não isso não é verdade, nunca sonho com aquilo que eu preciso.
-Isso é que não é verdade. Você sonha exatamente o que precisa.
-Eu não precisava de um macaco amarelo pulando na minha cama na noite
passada e nem de um monstro dentro do meu guarda-roupas...
-Você deve sonhar...e não ter, pesadelos...
-Mas então o que o senhor me sugere?
-Venha comigo, durma e venha comigo.
-Mas eu só preciso de balões.
-Então vou te levar para uma festa de aniversário.
Alice sempre soube por sua mãe que não deveria
conversar com estranhos, e muito menos acompanha-los, mas como já havia
quebrado a regra com a Pata Claribel, achou que se uma mesma regra fosse
quebrada no mesmo dia valeria por uma só vez. Além do mais, adorava festas de
aniversário.
-Tudo bem senhor, acho que posso ir com o senhor.
-Claro que pode garotinha, venha...
Com seu cajado apontou-o para parede e assim acendeu uma luz, na sua
frente surgiu uma porta.
-Primeiro as crianças.
-Obrigada Senhor!
Achou-o muito educado, estava acostumada a não ouvir
gentilezas, porque era uma criança e não tinha estatura suficiente para ser
enxergada pelos adultos.
Atravessando a porta, Alice encontrou duas outras figuras que pareciam
mãe e filha. Não as classificava como gente, nem como animal, a mais velha
estava muito ocupada, enquanto a mais nova chorava sem parar, a outra não
percebia, rodeada de balões. Alice ficou se perguntado se aquilo realmente era
uma festa, ou se pelo menos deveria ser, ficou sem graça de pedir os balcões da
pequena, pois confusa não sabia se aquele era o começo ou o fim da comemoração.
Nenhuma das duas se importava com a presença de Alice. Ela decidiu ir
embora antes que sobrasse para ela.
Olhando para os lados descobriu que estava perdida e
que não sabia mais para que lado ficava o poço, saiu em algo que parecia uma
varanda e lá fora via um mar vermelho
como groselha, já não se surpreendia mais com as novidades, chegou a conclusão
de que era muito nova e não conhecia mesmo tantas coisas assim, nunca tinha
viajado muito longe, e logo ali que era tão perto de sua casa e ela nem sabia
que um poço poderia ser tão fundo com tantos tipos de coisas diferentes.
Enquanto contemplava a beleza do mar sorria como quando sua mãe fazia gelatina
de framboesa, a cor do mar lembrava a gelatina, mas o cheiro era de peixe.
Por um instante pensou ter visto uma andorinha, mas
não, seria muita sorte, ficou tentando calcular a quantidade de grãos de areia.
Em meio sua conta, pensou ter visto a andorinha de novo, mas estava cansada,
devia ser isso...
Resolveu procurar o senhor do cajado para leva-la para casa, e o
encontrou encostado sobre um baú vermelho. O tal baú estava recheado de coisas,
tantas que mal se podia fechar a tampa, havia um cadeado destrancado, devia ser
um tesouro trazido pelo mar, mas ele não parecia muito interessado em retirar o
ouro e as pedras preciosas de lá de dentro, vendo que ele descansava resolveu
perguntar:
- Este baú é do senhor?
- Não. Claro que não!
- É de quem?
- De todos.
- Quem são todos?
- Ora! Todos!
- Todos os piratas?
- Também...
- E tem um tesouro aí dentro?
- Vários.
- E o senhor vai leva-los?
- Eu vou levar Todos para o tesouro.
- Não está certa a frase, o senhor vai levar o Tesouro para todos,
todos os piratas não é?
- Você ainda não entende...
Apareceram
então duas outras garotas, uma muito alta e a outra, lembrava-lhe uma heroína,
não ficou muito feliz porque queria mesmo era encontrar Helena, e ambas não se
pareciam em nada com uma andorinha, na verdade uma delas tinha um cabelo
amarelo que até sugeria algo de passarinhesco.
Elas pareciam saber o que queriam ali, vinham buscar
algo, ele disse que tinha, montou no seu cajado como se fosse um cavalo e com
alegria gritava: “Sonhos, sonhos, quem quer sonhos?” as garotas estavam muito
empolgadas, então Alice resolveu pedir um também, que sabe ela pudesse
encontrar-se com Helena. Ele distribuiu um sonho para cada uma delas, o de
Alice era uma pena, ficou muito feliz, agora estava perto!
Deitou-se na areia e ficou esperando, passaram horas,
horas, horas, começava a pensar que já estava ali a dias...olhava o céu e
segurava a pena, olhava o céu e procurava penas, olhava o céu e pensava em
Helena, olhava o céu e sentia pena de Claribel, olhava o céu e sentia saudade
de Helena como se já conhecesse, olhava o céu e sentia vontade de cantar e
cantando lembrava de outras pessoas, outras lembranças, outros céus, penas e
andorinhas:
"Para o dramaturgo encenador, é preciso destemor e intrepidez ante o colosso da biblioteca ou do canône".
Josué da Costa
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