por Fernando Nascimento
Ao
longo desses quatros meses de viagem pelo universo da prática de criação
dramática, observou-se como se procede a criação dramática a partir de... jogo
tradicional, texto, uma reportagem de jornal, uma fábula etc. Nesta última
viagem, descobriremos como procedeu-se a criação dramatúrgica do experimento
acadêmico Plantando Kombi[1].
Desde
a Grécia, nas Grandes Dionisíacas, passando pelo esplendor humanístico do
teatro renascentista até o século XIX, o texto sempre fora o protagonista da
cena. Essa fase é denominada por Jean-Jacques Roubine como textocentrica.
Somente a partir do século XX, alguns encenadores começam a descentralizar o
texto e consequentemente o dramaturgo como função prioritária dentro do fazer
teatral. Encenadores como Stanislavski,
Meyerhold, Copeau e Dublin tornaram-se pioneiros no cenário internacional por
quebrarem aos poucos com essa “tradição” cênica, apesar de realizarem trabalhos
textocentricos estabeleciam outra relação da cena com a literatura, nem tudo
que ia para o palco era necessariamente tudo aquilo que o autor havia
delimitado em sua obra. Esses encenadores foram denominados pelo termo alemão
de dramaturg[2].
(SILVEIRA, 2011).
Essas
transformações no âmbito do teatro mundial refletiram nas produções e processos
de montagens de espetáculos no Brasil, o processo dramatúrgico contemporâneo
ganhou novas práticas de criações dramáticas. Dessa forma, partiu-se do
pressuposto colocado por Costa (2009) a respeito dos novos processos dramáticos
no Brasil:
[...]
A atividade de ler e de processar a leitura de se apropriar dela e de manipulá-la
e transformá-la, a partir de novos objetivos ou contextos, de reagir a ela em
um meio outro que não o dos textos impressos me parece ser, de fato, um tópico
fundamental para a compreensão não só da dimensão cênica, mas também do âmbito
dramatúrgico-literário de parte considerável do teatro contemporâneo. (COSTA,
2009, p. 33-33).
A criação do
experimento acadêmico Plantando Kombi
surgiu do processo da última unidade da disciplina Prática de Criação Dramática
sobre o Teatro Contemporâneo e seus processos dramatúrgicos na cena
contemporânea nacional. A professora dividiu a turma como costumeiramente em
grupos, nosso grupo foi composto além de mim, por: Carla, Clarice, Jeane e
Heidy. Após a divisão da turma em grupos, foi solicitado que fizéssemos o
roteiro de uma proposta de apresentação, tendo como referências
os exercícios, jogos, experimentos e discussões sobre o teatro contemporâneo ocorridos
na sala de aula.
Com
os grupos formados, realizamos as primeiras discussões sobre como realizaríamos
o roteiro, qual temática discutiríamos no experimento e demais elementos
necessários para a construção do trabalho. Esse tipo de processo dramatúrgico,
onde todos participam na construção da encenação, Silveira (2011) define assim:
O processo colaborativo se
caracteriza como um processo coletivizado, mas que, diferentemente da criação
coletiva, retoma as funções da criação teatral, diretor, figurinista, iluminador,
cenógrafo, e etc. O ator que era o centro da criação dá lugar ao grupo, à colaboração.
Nada é mais importante do que o processo ou o espetáculo. Todos integrantes do
grupo têm voz ativa na construção do texto, porém há um dramaturgo que escreve
e assina a obra final. A figura do dramaturgo é uma das mais importantes dentro
do processo colaborativo. Cabe a ele a função de transformar o que é improvisado
durante os ensaios em texto dramático. (SILVEIRA, 2011, p. 06).
No circuito da cena nacional, vários grupos e companhias
utilizaram/utilizam esse processo dramatúrgico para a composição dos seus
espetáculos, a saber: Teatro da Vertigem, LUME, Grupo XIX de Teatro, Cia Livre
de Teatro, Cia do Latão, Grupo Galpão dentre outros. No experimento Plantando Kombi partiu-se dessa ideia
do teatro colaborativo para a construção das cenas, por mais que não tivéssemos
tido um tempo mais longo e sistemático para a realização do processo colaborativo
comparado aos renomados grupos citados, realizamos mesmo que rapidamente a
ideia do que seria esse tipo de processo, como pode ser observado no primeiro
roteiro pensado para o trabalho:
Personagem
mexendo no computador – o que ele está fazendo é projetado no fundo do palco –
ele então dorme. (assistindo o vídeo da instalação das Kombis). Dentro do sonho
fica de encontro com a Kombi – projetada – e se pergunta onde está e o que está
fazendo ali. Começa então um diálogo com a Kombi (voz em off) falando sobre a
arte e sobre a árvore. (uma voz ao fundo chama-o, é a sua mãe gritando). Ele acorda
assustado com a sua mãe chamando-o, dizendo que ele está atrasado para a escola
e que a Kombi está a sua espera. (PRIMEIRO ROTEIRO DO EXPERIMENTO PLATANDO
KOMBIS, 2013).
Após
a realização dessa primeira ideia de roteiro, realizamos outro, mas agora dividindo
o experimento em; três cenas, os personagens que estariam no trabalho, quais
discussões essas personagens suscitariam, além das necessidades técnicas,
conforme pedido pela mestra. Resgato aqui as palavras de Silveira (2011) quando
diz que depois do roteiro do processo colaborativo, “[...] a figura do
dramaturgo é uma das mais importantes dentro do processo colaborativo. Cabe a ele a função de transformar o que é improvisado
durante os ensaios em texto dramático”.
Foi
assim baseado no processo do roteiro elaborado pelo grupo que procedi
realizando a dramaturgia do experimento Plantando
Kombi conforme foto 1 ilustra.
Foto 1: Carlinhos assistindo TV
Fonte: (D´CRUZ, 2013)
Inspirado
na primeira cena do roteiro do grupo, escrevi a rubrica dessa forma:
(Ouve-se
uma música lenta. Acende-se a luz em Carlinhos. Este se encontra sentado
olhando fixamente para a plateia, (nessa cena houve uma mudança proposta pela
professora) que nessa cena simbolicamente o personagem faz analogia a um
aparelho de TV. Pois ao mesmo tempo em que Carlinhos “assiste” a plateia é
exibido no slide ao fundo do palco um vídeo sobre a reportagem das Kombis
plantadas. Carlinhos come um sonho de valsa durante o vídeo, depois boceja e
dorme. Com o término do vídeo, apaga-se a luz e rapidamente acende). (RUBRICA
DO INÍCIO DA CENA, 2013).
O
texto segue com o personagem Carlinhos (nome dado carinhosamente em homenagem a
Carla Purcina, que não pode está no dia da apresentação) já dentro de seu sonho
dialogando com a projeção[1] ao
fundo do palco de uma Kombi. Os dois discutem a respeito do que é arte
contemporânea, onde a Kombi rebate as indagações do garoto assim:
“...Olha Carlinhos, você é um menino muito teimoso. Deveria era me
comtemplar, (ênfase) pois sou uma obra de arte, mas ou invés disso fica aí se
perguntando se sou kombi ou árvore. Ser kombi ou ser árvore, eis a questão... Sou
arte só
isso. No mundo das Artes nós podemos ser o que quisermos. Você por acaso, já
leu algum livro? Já viajou pela terra do nunca? Já conheceu o chapeleiro
maluco?”. (Conforme foto 2).
Foto
2: Viajando nos pensamentos de Carlinhos
Fonte:
(D´CRUZ, 2013)
Carlinhos
percebe que na verdade não sabe de nada. Envergonhado o garoto pede ajuda a
Kombi:
“Para dona Kombi Árvore que sabe
tudo! Eu já entendi... Eu não conheço ninguém desses que a senhora falou aí”. (Conforme
foto 3).
Foto 3: Carlinhos
A
Kombi Árvore comove-se com o menino e resolve ajudá-lo, prometendo levá-lo numa
viagem inesquecível pelo mundo dos personagens encantados. Mas quando a viagem
ia começando... Ouve-se um tic-tac e ao mesmo tempo a voz da mãe de Carlinhos
chamando-o:
“Carlinhos? Carlinhos? Acorda meu
filho! (Pausadamente) Carlinhos, acorda que a Kombi já está lhe esperando para
levá-lo pro colégio”. (Conforme foto 4).
Foto 4: Foi apenas um sonho...
Fonte: (D´CRUZ, 2013)
Assim
finaliza-se a viagem de Carlinhos e a minha também. Meu diário de bordo pousou,
aterrissou, atracou, parou, estacionou... Aqui! Assim como eu pude viajar pela
prática de criação dramática, chegou à vez de outras pessoas desfrutarem dessas
aventuras... A dupla: Carlinhos e a Kombi Árvore viverão mil e outras aventuras
com crianças em diversos lugares dessa ilha... Agora é esperar as cenas dos
próximos capítulos!
[1] A ideia do experimento surgiu durante aula de Gisele Vasconcellos quando a mesma citou sobre uma instalação contemporânea onde Kombis foram colocadas em cima de pequenas plantas (que hoje são árvores) numa das avenidas de Brasília. A instalação é da professora Bia Medeiros, da UnB.
[2] Termo criado pelos alemães para designar a geração de encenadores formada por Max Reinhardt, Adolph Appia, Gordon Craig, Meyerhold, que reelaboravam os textos dos dramaturgos, cortando ou acrescentando, para oferecer ao espectador um espetáculo mais pessoal a cada encenador. (TEIXEIRA, 2005).
[3] O uso de recursos tecnológicos é uma das características do teatro contemporâneo, Costa (2009) diz sobre a “[...] importância da imagem técnica na elaboração cênico-dramatúrgica dos trabalhos teatrais. [...] incluo no interesse que move a discussão nos próximos parágrafos não só a tematização da edição de imagens no sentido estrito e técnico do termo, mas também aspectos mais amplos (captação, difusão, projeção etc.) associados (assim como a edição propriamente dita) à produção de imagem e à sonorização técnica como referências significantes do teatro atual, mas também como auxiliares importantes durante os processos de criação textual e cênica, e ainda, como recursos utilizados diretamente na estruturação cênico-dramatúrgica final dos espetáculos”. (COSTA, 2009).
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Carreira;
ANDRÉ, Felipe Costa Silva. Pensando uma
dramaturgia de grupo. Revista da
pesquisa, Santa Catarina, v. 3, n. 1, 2008. .
Acesso em: 12 mar. 2013.
COSTA, José da. Teatro contemporâneo no Brasil:
criações partilhadas e presenças diferida. Rio de Janeiro. Ed. 7 Letras, 2009.
MORENO, Newton. A máscara alegre: contribuições da cena gay para o
teatro brasileiro. Revista Sala Preta,
São Paulo, v. 2, n. 1, p. 310-317, 2002. Disponível em: .
Acesso em: 13 jan. 2013.
SILVEIRA,
Eduardo Cesar. Quando tudo pode virar texto: a influência da criação coletiva e
do processo colaborativo na dramaturgia contemporânea. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação,
São Paulo, v. 1, n. 5, 2011. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:q3j7jQ9myl8J:www.usp.br/anagrama/Silveira_texto.pdf. Acesso em: 12
mar. 2013.
TEIXEIRA, Ubiratan. Dicionário
de teatro. 2. ed. São Luís. Ed. Instituto Geia, 2005.
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