sexta-feira, 1 de março de 2013


Poesia, apesar das arestas
Por Heidy Ataides

 Com o objetivo primeiro de conectar-se com “qualquer” público e principalmente o público popular, é que surgiu o trabalho de pesquisa de Augusto Boal, resultando em “Teatro do oprimido” a linguagem para o atendimento desse objetivo.
“Um símbolo é um símbolo se aceito por dois interlocutores: o que transmite e o que recebe.” BOAL, pag. 142.
Toda essa busca tem como principal foco a transformação do espectador em ator. Onde todo o trabalho para essa conversão, de espectador em ator, se subdivide em etapas que desde o preparo do corpo às ações cênicas em si, são trabalhadas questões para o despertar da consciência corporal desde o entendimento das possibilidades quanto as deformações que o corpo sofre tal qual o trabalho que realiza e a busca pela libertação da máscara social de comportamento.

“Se a pessoa é capaz de “desmontar” suas próprias estruturas musculares, será certamente capaz de “montar” estruturas musculares próprias de outras profissões e de outros status sociais, estará mais capacitado para interpretar outros personagens diferentes de si mesmo.” BOAL, pag. 146.

Mergulhando e experimentando a prática de algumas técnicas de Boal em sala de aula, o Teatro - Imagem trouxe nos temas sociais da nossa realidade.
Para a transformação da imagem de real para imagem ideal e dessas para a imagem de trânsito, foi trabalhada a imagem gerada a cerca do tema “cultura” onde em suma o que queremos é que a partir da educação se reconheça o envolvimento de todas as artes e a diversidade como a união e a coletividade entre os povos. A quebradeira de coco, a população que brinca o boi, o escritor e o regueiro foram algumas das figuras trazidas na diversidade e multiplicidade da cultura maranhense. A discussão para chegarmos ao consenso, teve como fim que imagem ideal não representava o discurso de igualdade que gostaríamos de transmitir, ficando como ideal não a última imagem (a do abraço) mas sim os exemplos que a imagem pôde representar de cultura (o regueiro, a quebradeira de coco, o escritor e o brincante de boi).

O Teatro-imagem, colocado por Boal como facilitador da construção da prática teatral em si, e a mais estimulantes por ter a capacidade de tornar visível o pensamento como conotação única para cada um em comparação com a linguagem idioma onde a palavra possui a mesma denotação para todos e conclui “A imagem sintetiza a conotação individual e a denotação coletiva.”
Com a discussão a cerca da “política”, a discussão deu foco à descrença do povo maranhense, nos políticos e na corrupção que assola todo o país. A imagem que chegamos a partir dos comandos para a construção da mesma nos remete o político comprando a opinião pública ou o voto, enquanto o olhar do eleitor que se deixou levar e confiar em promessas feitas e descumpridas e ao perceber sentir-se lesado e impotente diante de um protesto de indignação que não é ouvido, e por outro lado o outro que miseravelmente clama por condições mínimas sociais e de sobrevivência, passivo de se deixar levar quantas vezes for, em quantas eleições for o caso. Com a mobilidade dessa imagem, ou seja, a representação cênica em si e com a inserção de sons e um pequeno diálogo “Que merda, fui enganado outra vez? Como pude me deixar levar e acreditar, como fui cego...” Da experimentação enriquecedora com essa imagem, trabalhamos o Teatro - Debate, o público pôde intervir na execução e modificação da cena, trazendo espectadores para o lugar dos atores na representação dos gestos na repetição e ainda na alteração da cena, procurando dar solução ao problema levantado em si. Para exemplificar o Teatro - Forum, foi aproveitada a mesma imagem e a realização do jogo proposto por essa técnica, provocando o espectador a sair da passividade, trazendo-o à cena, instigando-o à crítica e à transformação. Do Teatro – jornal a partir da leitura e recorte de notícias, de onde o trabalho para a construção de cenas  em grupo, trouxe ainda mais clara a necessidade de compreensão e sensibilização a partir da exposição social midiática, nem sempre verdadeira e nem sempre com o sentimento do protagonista citado... afinal a maioria dos editoriais não tem essa preocupação e mais uma vez, pra vida é necessário, poesia, música, rimas, independente de quão trágica e de quantas arestas construímos ao longo dela pra melhor passarmos pela missão por estas terras.

A encenação por representantes sociais reais que perpassam por esses problemas são incitados a partir das técnicas propostas por Boal a encontrarem soluções para o “problema” levantado em cena, o problema que geralmente percorre a vida de quem o encena precisa ter uma solução ou no mínimo a proposição da crítica do que ocorre, mudança de posição, de pensamento, o ser humano sair da passividade à luta pela sua própria libertação.
A busca de Boal pela criação de um método que provocasse e sobretudo tivesse de investigativa a realidade das pessoas, como sendo essa a cena e seu protagonista o próprio ser, me lembra a pesquisa de Paulo Freire para a elaboração do construtivismo, para a elaboração da alfabetização consciente de jovens e adultos, em que trás da própria realidade destes aprendizes as palavras e todas as questões sociais a serem propostas como textos e estudos em sala de aula, onde concluo com a frase do mesmo educador: “Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”

 
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. 6ªed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1991.

 

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