por Carla Purcina
Helena
sonhou que queria fechar uma mala e não conseguiu, e fazia força com as duas
mãos, e apoiava os joelhos sobre a mala, e não adiantava. A mala, que não se
deixava fechar, transbordava coisas e mistérios. (GALEANO, 2002)
Sonhos... vários são. Os repetitivos, os bons, os pesadelos, os sonambulismos, os djavus, os sonhos da vida, aqueles que nos perseguem, aqueles que não conseguimos sair, aqueles que nós conversamos mesmo dormindo, aqueles que nos marcam. Quem nunca sonhou que estava no banheiro e acordou todo molhado? Quem nunca desejou ser alguém, com uma profissão, ou com algum desejo de se profissionalizar? Quem nunca dormiu num lugar e acordou em outro? Quem nunca resmungou, brigou, chorou ou gritou, dormindo? É mito ou verdade que se dormirmos de barriga cheia sonharemos mais? Superstição contar um sonho ruim só depois que tomar café para não se realizar e com a porta aberta para que ele vá embora? Sonhar com uma pessoa que já faleceu é conversar espiritualmente com ela? Várias formas, vários meios, vários jeitos. Não é possível determinar apenas um; eles levam-nos para um mundo utópico, nos retorna a realidade e completa-nos enquanto seres humanos. Conseguiríamos partir de um sonho para uma criação dramatúrgica?
Nos dias de hoje digo que sim. A contemporaneidade não atingiu apenas a área tecnológica e a comunicação, a arte e especificamente o teatro sofreu grandes mudanças no que diríamos se tratar criação dramatúrgica. José da Costa afirma:
A articulação entre leitura e
escrita como procedimento de criação e de escritura é fundamental no teatro dos
dias atuais, em primeiro lugar devido ao grande número de transposições para a
cena de textos não produzidos originalmente para o teatro e muitas vezes nem
compostos com finalidade propriamente literária. (COSTA, 2009, p. 33)
A prática de criação dramatúrgica
a partir de elementos não dramáticos é o que vem florescendo no teatro
contemporâneo, José Celso[i],
Bob Wilson[ii],
Gerald Thomas[iii],
Antônio Araújo[iv],
são exemplos disso. Utilizam-se ferramentas que inspiram essas novas criações como
escritos literários, contos, poesias e poemas, desenhos e imagens, leituras
informais, enfim escrituras que não são destinadas ao campo dramatúrgico. A nova
estrutura de cena que vem sendo empregada demanda novas leituras e concepções
da escrita, não contendo-se apenas em seu significado comum da fala, mas
partindo para o contexto total da teatralidade.
[...] o teatro atual revela, por
variados signos autorreflexivos, uma concepção de escrita que não se limita no
caráter de representação fonético-alfabética da fala, nem à função referencial
ou designativa da língua. A escrita como inscrição se liberta da ideia de que
escrever é apenas registrar palavras ou pensamentos verbalmente ordenados, como
rompe também o constrangimento ou a limitação da escrita a uma função
comunicacional significacional. (COSTA, 2009, p. 72, 73)
Em sala de aula,
experimentamos, a partir do tema SONHO, algumas formas de processo para uma
criação dramatúrgica. A turma partiu de contos, de releituras desses contos, de
inclusão de sonhos pessoais, de formas como acordar de sonhos (assustado,
gritando, sonambulando), de improvisações e experimentações até chegarmos, dividido
em grupos, a montar um roteiro para a encenação. Finalizamos a disciplina com
as apresentações dos três grupos e o que pude notar ao que demanda o teatro
contemporâneo, é como tudo pode gerar uma produção cênica, desde uma história
concreta até a um simples desenho na prancheta, não precisamos mais daquela
estrutura de começo, meio e fim, com textos demarcados em diálogos, destinados
especificamente ao teatro, a quebra da ação, do espaço e do tempo deixaram essa
estrutura fragmentária e a utilização de outros textos vem sendo a principal
forma em que os dramaturgos contemporâneos utilizam para a criação e a
produção de seus espetáculos, onde a dramaturgia parte como roteiro para a
encenação, tornando-se conjugadas, como finalidade do espetáculo.
[i]
Conhecido como Zé Celso, José Celso Martinez Corrêa é diretor, ator, dramaturgo
e encenador brasileiro; é uma das figuras mais importantes do teatro brasileiro,
líder do Teatro Oficina.
[ii]
Conhecido como Bob Wilson, Robert Wilson é encenador, coreógrafo, escultor,
pintor e dramaturgo norte americano; suas peças são conhecidas mundialmente
como inovadoras por dar bastante ênfase na precisão das marcações, da
iluminação e da sonoplastia da cena.
[iii]
Conhecido com Gerald Thomas, Geraldo Thomas Sievers é diretor e dramaturgo
brasileiro mas que desenvolve sua carreira internacionalmente pela Alemanha,
Estados Unidos e Inglaterra.
[iv]
Antônio Carlos de Araújo Silva é diretor, professor, encenador e dramaturgo
brasileiro, ligado ao Teatro da Vertigem que tem como marca a encenação em
lugares não convencionais.
REFERÊNCIAS:
COSTA FILHO, José da. Teatro contemporâneo no Brasil: criações partilhadas e presença diferida. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços; tradução de Eric Nepomuceno. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.
COSTA FILHO, José da. Teatro contemporâneo no Brasil: criações partilhadas e presença diferida. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços; tradução de Eric Nepomuceno. 9 ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.
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