sábado, 16 de março de 2013

Contemporâneos


Por Tiara Sousa

Eles se habituaram a desviar dos olhares tanto quanto buscavam por eles, a fugir dos sentimentos, a fazer muitos planos, a ter pouco lazer e muita obrigação, a se esconderem em si mesmos para fugir do que causava tristeza. Deixaram de olhar para o céu e de contemplar a natureza, se acostumaram a julgar os outros e a medir palavras, a nunca pensar no hoje com a mesma intensidade que no amanhã, a deixar de lado o que lhes era inicialmente negado.
Eles sonhavam sozinhos, não tinham os mesmos hábitos, nem histórias, nem haviam caminhado pelas mesmas ruas, nem choraram as mesmas perdas, embora vivessem o mesmo tempo com a mesma falta de tempo e usassem as mesmas palavras para divergir sobre assuntos semelhantes. Sonhavam sozinhos, e sozinhos buscavam sentido para o que não lhes parecia justo, sorriam para fingir que estava tudo bem e que a vida era daquele jeito que um dia suporam que seria.
Eles não jogavam com a mesma avidez, nem chegavam às mesmas conclusões, discordavam de quase tudo e quase sempre se perdiam tentando encontrar características em comum. Faziam o mesmo curso (Teatro), na mesma Universidade (UFMA), e entendiam tudo diferente, até aquele dia... Naquele dia, Gisele Vasconcelos, a professora da disciplina de Prática da Criação Dramática, apresentou a eles a Unidade Teatro Contemporâneo, e os conduziu a criar a partir de contos e sonhos, "desconstruindo a ideia de dramaturgia tradicional e de que somente textos criados orginalmente para o Teatro pudessem resultar numa atividade teatral."
Eles foram divididos em equipes e conduzidos a conhecer, a imaginar, a relatar seus sonhos, a exercitar mente e corpo, criando roteiros a partir dos elementos de leituras, de expressões corporais, de jogos, e trabalhando esses roteiros num processo de união e extrema beleza, mas inicialmente pouco confortável para eles, que passaram a vida inteira sonhado sós.
Eles apresentaram não somente as criações resultadas da prática e do processo a que foram incentivados, não dividiram com os demais apenas “sons, gestos, movimentos, objetos, iluminação, imagem”, não encenaram apenas as diversificações artísticas que caracterizam o Teatro Contemporâneo. Apresentaram a si mesmos, seus sentimentos, histórias, impressões, ideais; Dividiram sonhos de infância e de agora, bonitos e assustadores, grandes e pequenos, lúdicos e reais; Encenaram arte e vida com a dor e a paixão que ilustram a atualidade.
Eles não foram só atrevidos, só ousados, só artísticos, só inspirados, só criativos, foram contemporâneos, ao corajosamente sonharem juntos, numa época em que infelizmente o esperado é que sonhem sós. Eles foram artistas.

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